quarta-feira, 18 de junho de 2008

Qual o mistério guardado pelo submarino alemão U-963 afundado no final da 2ª Guerra Mundial ao largo da Nazaré?

Na manhã de 20 de Maio de 1945 quem estivesse na Nazaré testemunharia uma cena digna de um filme de Hollywood. Ao largo da Nazaré afundava-se o submarino de combate alemão U-963, depois dos 47 membros da sua tripulação terem rumado à praia. Apenas 13 dias antes, a 7 de Maio a Alemanha rendera-se aos Aliados, colocando um ponto final na sua participação na Segunda Guerra Mundial (1).


Esta história circulava entre os nazarenos, envoltas numa névoa de mito: seria verdade que ao pé da pedra do Guilhim estava um submarino alemão? Até que em 1998, o jornalista da SIC, Aurélio Faria toma conhecimento da existência do submarino U-963 no local e decide investigar.

As histórias apresentadas no programa “Grande Reportagem” tinham sempre um fim: como o submarino não estava localizado, a reportagem ficou em suspenso até haver condições materiais para retomar a história. Entretanto, o Instituto Hidrográfico da Marinha com auxilio de um sonar de varrimento lateral detectara destroços no local, cujas as dimensões da sombra acústica correspondiam às de um submarino alemão como o U-Boat 963.

Os jornalistas da SIC Aurélio Faria e Jorge Ramalho avançam para a conclusão da reportagem no seguimento de um projecto desenvolvido pela Universidade Autónoma de Lisboa, em parceria com a Universidade de Connecticut, a Ocean Technology Foundation e o Instituto Hidrográfico da Marinha.

Assim, em Junho de 2004 realizou-se a missão de busca do U-Boat 963, na qual foram empregues meios invulgares em Portugal, como o mini-submarino Delta, com capacidade de recolher e analisar vestígios arqueológicos a 500 metros de profundidade. O arqueólogo Adolfo Silveira Martins, da Universidade Autónoma de Lisboa, foi um dos responsáveis por esta operação.

O U-Boat 963 foi localizado próximo do canhão submarino da Nazaré - zona de grande turbulência e com elevada suspensão de sedimentos. Estas condições aliadas à pouca visiblidade no local e aos detritos deixados pela actividade piscatória, acabariam por impossibilitar o contacto com o submarino.

O submarino U-963 tinha por missão largar minas no canal da Mancha, tendo partido da Noruega em Abril de 1945 com esta finalidade. No início de Maio, emergem no mar da Irlanda para descobrir que a Alemanha se rendera aos Aliados. No entanto, em vez de acatar as ordens de rendição a tripulação opta pela fuga e pelo auto-afundamento em Portugal, país que esteve à margem do conflito. O submarino iria demorar oito dias para fazer os 4.500 quilómetros até ao seu destino final (2).

O escritor nazareno José Soares narra que às seis da manhã três tripulantes do submarino vieram a terra num barco de borracha, para contactarem com as autoridades marítimas. Os tripulantes teriam informado que o vaso de guerra estaria com água aberta e pediram socorro para os marinheiros a bordo. Assim, a barca salva-vidas da capitania foi recolher a tripulação do U-963 (3). De acordo com o registo da capitania do porto da Nazaré, naquela manhã de domingo, o “submarino alemão U-963, afundou-se a cerca de 500 m a S/SW do farol da Nazaré a profundidade aproximada de 100 braças" (4).

Passados mais de sessenta anos desde o afundamento, o que está ainda por contar sobre o submarino alemão U-963? Qual o mistério guardado pelo submarino U-963?


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É livre a reprodução para fins não comerciais, desde que o autor e a fonte sejam citados.
Citar como: Quico, Célia (2008) “Qual o mistério guardado pelo submarino alemão U-963 afundado no final da 2ª Guerra Mundial ao largo da Nazaré?”. Disponível em <http://nazare-portugal.blogspot.com/2008/06/qual-o-mistrio-guardado-pelo-submarino.html > acedido em (data).
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Notas:
(1) Wikipedia “Segunda Guerra Mundial”. Disponível online (consultado a 2006-12-07):
http://pt.wikipedia.org/wiki/Segunda_Guerra_Mundial
(2) Faria, Aurélio (2005) “Submarino ao Fundo”, Revista “Visão” nº 628, 17 Março 2005.(3) Soares, José (1998) 100 anos de Naufrágios na Costa da Nazaré, Câmara Municipal da Nazaré, pag. 140-141.
(4) Faria, Aurélio (2005) “Submarino ao Fundo”, Revista “Visão” nº 628, 17 Março 2005.

Fontes e Bibliografia:
Soares, José (1998) 100 anos de Naufrágios na Costa da Nazaré, Câmara Municipal da Nazaré.
Faria, Aurélio (2005) “Submarino ao Fundo”, revista “Visão” nº 628, 17 Março 2005.
Faria, Aurélio (2004) “U-963 – Submarino ao fundo”, reportagem SIC/ Visão - programa de 25 Julho 2004.

Existe na Nazaré uma das últimas culturas comunitárias tradicionais na Europa?

Passear pelas ruas estreitas da velha Nazaré é uma das melhores formas de contactar directamente com aquela que será uma das últimas culturas comunitárias tradicionais na Europa. A vida comunitária característica das aldeias rurais europeias da Idade Média subsistiu na classe piscatória nazarena.


A vida comunitária característica das aldeias rurais europeias da Idade Média subsistiu na classe piscatória nazarena (1). Quem o afirmou foi o antropólogo norueguês Jan Brogger, do Instituto de Antropologia Social da Universidade de Trondheim na Noruega. O trabalho de campo decorreu durante toda a década de oitenta, do qual resultaria o livro Pre-Bureaucratic Europeans: A Study of a Portuguese Fishing Community, publicado em 1989 na Noruega e em 1992 nos Estados Unidos da América. A tradução portuguesa foi publicada em 1992, com o título Pescadores e Pés-calçados.

Em traços largos, as comunidades europeias na Idade Média caracterizam-se pela inexistência da divisão entre o público e o privado, por uma atitude permissiva em relação a comportamentos individuais, em particular em relação aos comportamentos sexuais e, ainda, pela crença no sobrenatural. A partir do século XVI assiste-se ao refinamento gradual de maneiras, linguagem e comportamento: a simplicidade rústica medieval dá lugar ao padrão da moderna burguesia urbana (2).

A importância da realidade do povo nazareno residia no facto de as suas instituições, comportamentos e crenças representarem uma fase de particular interesse no processo de transformação da existência humana. No caso da Nazaré trata-se de saber porque não foi afectada pela grande transformação, provocada pela ascensão do capitalismo e da civilização industrial. O domínio da mulher parece explicar porque a família nazarena resistiu à tendência geral de modernização, defende Jan Brogger. Na Nazaré as famílias são matrifocais, ou seja, são as mulheres os verdadeiros chefes de família: um fenómeno único em todo o Mediterrâneo, de acordo com o investigador (3).

No entanto, será que hoje em dia “o universo da comunidade piscatória da Nazaré é ainda um universo encantado”, como escreveu Jan Brogger? Passados quase cerca de vinte anos sobre a investigação, há alterações substanciais ao quadro descrito por Jan Brooger? Está em vias de extinção a cultura comunitária tradicional da Nazaré?

O ritual comunitário por excelência dos nazarenos é o Carnaval. O espírito de camaradagem faz do Carnaval a maior experiência do ano na Nazaré, algo só possível numa comunidade, de acordo com Jan Brogger (4). O Carnaval é antecipado pelos tradicionais festejos do dia de São Brás, a 3 de Fevereiro, uma romaria que reúne todos os anos centenas de pessoas no sopé do monte de São Bartolomeu ou de São Brás. As origens dos festejos perdem-se no tempo, mas quem por aqui passe a 3 de Fevereiro reconhece muitos dos elementos das festas dionisíacas: as fogueiras, as danças, o álcool, os símbolos fálicos, como nota a escritora Hélia Correia no prefácio ao livro do fotógrafo Valter Vinagre Monte Siano (5).

Actualmente, o Carnaval movimenta um número considerável de pessoas e de recursos: em 2006, organizaram-se cerca de 35 grupos carnavalescos, que totalizaram cerca de 3.000 pessoas a desfilar, isto numa localidade que tem pouco mais de 10.000 habitantes.

Os bailes são o palco por excelência da reunião da comunidade nazarena: pessoas de todas as idades e classes sociais se reencontram nas salas de baile do Casino e Mar-Alto na Nazaré, no Planalto no Sítio da Nazaré e da Pederneira. Com início por volta das dez horas da noite, os bailes terminam ao nascer do sol, à excepção do baile de quarta-feira de cinzas, em que se regressa a casa mais cedo. A regra nestes bailes de Carnaval é o caos: a multidão organiza-se de forma desorganizada e espontânea em rodas e cordões de gente. Animados por grupos musicais locais, nos bailes exibem-se ainda ranchos organizados para o efeito e as cegadas, representações teatrais que satirizam pessoas e acontecimentos, sobretudo de âmbito local, que até há cerca de trinta anos eram exclusivamente realizadas por homens.

As marchas Carnavalescas fazem parte dos elementos curiosos do Carnaval desta região. Todos os anos, autores e compositores locais criam novas marchas, que desempenham a função de emblema musical de determinado ano.Por ano, os autores locais criam cerca de 40 marchas originais, para as salas de baile, grupos e ranchos carnavalescos.Para muitos, o Carnaval ocupa um lugar central na revitalização da identidade cultural dos Nazarenos. Ainda que outras tradições se percam com o tempo – como é o caso das artes de pesca -, celebrações como o Carnaval e o São Brás mantêm vivos alguns dos traços da cultura comunitária tradicional da Nazaré.


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É livre a reprodução para fins não comerciais, desde que o autor e a fonte sejam citados.
Citar como: Quico, Célia (2008) “Existe na Nazaré uma das últimas culturas comunitárias tradicionais na Europa? ”. Disponível em <http://nazare-portugal.blogspot.com/2008/06/existe-na-nazar-uma-das-ltimas-culturas.html> 
acedido em (data).
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Notas:
(1) Brogger, Jan (1992) Pescadores e Pés-Calçados, Edição Livraria Susy, pag. 220.
(2) Brogger, Jan (1992) Pescadores e Pés-Calçados, Edição Livraria Susy, pag. 69.
(3) Brogger, Jan (1992) Pescadores e Pés-Calçados, Edição Livraria Susy, pag. 220.
(4) Vinagre, Valter (2004) Monte Siano, ed. Assírio & Alvim.


Fontes/ Bibliografia Científica:
Brogger, Jan (1992) Pescadores e Pés-Calçados, Edição Livraria Susy.
Brogger, Jan & Gilmore David D. (1997) “The Matrifocal Family in Iberia: Spain and Portugal Compared”, Ethnology, Volume 36, Issue: 1, University of Pittsburgh. Disponível online (consultado a 2006-06-13):
http://www.questia.com/PM.qst?a=o&d=5001513801
Trindade, José Maria & Penteado, Pedro (2001) “A Nazaré e os seus pescadores”, Revista Oceanos, nº47, Dezembro de 2001, Lisboa.
Vinagre, Valter e Correia, Hélia (2004) Monte Siano, ed. Assírio & Alvim.

Lagoa da Pederneira: como desapareceu um dos principais portos Portugueses do período áureo dos Descobrimentos?

A lagoa da Pederneira era um vasto mar interior, que se extendia até bem próximo de Alcobaça e de Alfeizerão. Daqui partiam e chegavam embarcações carregadas de sal, peixe, marisco, vinho, madeira.


A lagoa da Pederneira foi um braço de mar vasto que no seu apogeu, há cerca de 5000 anos, se estendia até bem próximo de Alcobaça e de Alfeizerão. Aqui se encontravam estaleiros de construção de embarcações de pesca na lagoa, na costa ou em alto-mar (1). Os pequenos portos de Cós, Cela, Valado dos Frades, Maiorga, Famalicão e Pederneira constituíam o complexo portuário da lagoa da Pederneira (2).

Como desapareceu então a lagoa da Pederneira? Para compreender este fenómeno é necessário recuar milhões de anos e observar como foi formada esta lagoa e as lagoas vizinhas de Óbidos e Alfeizerão:
- há cerca de 300 milhões de anos, o final de uma colisão entre continentes criou uma grande fractura, que se detecta desde Pombal, atravessa Leiria e as proximidades da Nazaré, dá origem às águas termais das Caldas da Rainha e alcança o mar em Santa Cruz; esta fractura, conhecida como falha das Caldas da Rainha ficaria adormecida.
- quando os antigos continentes se afastam novamente, criando o Atlântico, a tensão na crosta terrestre fez abrir a falha das Caldas da Rainha um pouco antes da América se separar da Ibéria; há cerca de 140-130 milhões de anos os materiais em fusão ascenderam até quase à superfície, dando origem aos montes de São Bartolomeu e do castelo de Leiria, entre outros menores na região.
- já perto da extinção dos dinossauros, há cerca de 70 a 60 milhões de anos, a Ibéria entra em colisão com a Europa e a África; há aproximadamente 10 milhões de anos decorreria o momento de maior intensidade do choque com a África, do qual resultaria um relevo mais recortado nesta região.

Uma vez definida esta grande estrutura, há cerca de 10 milhões de anos, os processos que actuam sobre a superfície do planeta e que causam a erosão dos materiais - a chuva, o vento, os rios – acabariam por varrer o núcleo da estrutura até criar um vale. Aproximadamente, desde há 700 mil anos até há 20 mil anos, o planeta passou por fases de glaciações intensas e de degelo: pelo menos por quatro vezes o nível do mar oscilou de forma muito significativa. Assim, seriam formadas a lagoa da Pederneira, a lagoa de Alfeizerão e a lagoa de Óbidos (3).

As lagoas tiveram a sua máxima expressão há cerca de cinco a sete mil anos, quando o nível do mar atingiu a situação actual. Desde então, com a estabilização do nível do mar, a tendência natural deste tipo de área circunscrita é que seja assoreada, ou seja, que vá enchendo com sedimentos provenientes das suas margens e de rios. As lagoas da Pederneira, Alfeizerão e Óbidos não foram excepção.

A povoação da Pederneira já existiria aquando da fundação do Mosteiro de Alcobaça, pelos monges de Cister, em finais do século XII, localizando-se a sueste da sua localização actual, na margem da lagoa de mesmo nome.

No entanto, a acção dos homens também teve o seu peso neste processo. A Reconquista e instalação dos monges de Cister em Alcobaça terá por consequência o aumento demográfico na região. Os monges de Cister seriam responsáveis pela introdução de novas técnicas agrícolas, que levariam à deflorestação de vastas áreas, aumentando a erosão despejada na lagoa, assim como a secagem artificial de zonas pantanosas. Por coincidência, nos séculos XII e XIII ocorre uma fase de clima mais quente, conhecida como “óptimo Climático Medieval”.

O século XIV é um periodo de crise: guerras internas e Ibéricas, grandes surtos de peste e arrefecimento climático. Já nos séculos XV e XVI assiste-se ao grande desenvolvimento impulsionado pelos Descobrimentos. A exploração de madeiras, a expansão da agricultura e crescimento demográfico conjugado com o arrefecimento climático – conhecido como “Pequena Idade do Gelo” – contribuiram também para o desaparecimento da lagoa da Pederneira (4). Da fervilhante actividade do complexo de portos deste mar interior pouco mais restaria do que fragmentos de mastros e argolas de amarração (5).

Assim, ainda que os factores naturais tenham tido impacto no progressivo assoreamento destas lagoas, até que ponto a acção humana foi determinante para chegarem ao ponto em que hoje se encontram?Mas a acção do homem continua a ter impacto nestas lagoas - e não se trata só da acção das comunidades locais. No actual contexto do aquecimento da temperatura global e do consequente aumento do nível do mar, estará fora de questão a possibilidade da lagoa da Pederneira voltar a ser formada?


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É livre a reprodução para fins não comerciais, desde que o autor e a fonte sejam citados.
Citar como: Quico, Célia (2008) “Lagoa da Pederneira: como desapareceu um dos principais portos Portugueses do período áureo dos Descobrimentos?”. Disponível em <http://nazare-portugal.blogspot.com/2008/06/lagoa-da-pederneira-como-desapareceu-um.html
> acedido em (data).
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Notas:
(1) Guardado da Silva, Carlos & Gomes Barbosa, Pedro (2005) “A Lagoa da Pederneira nos períodos romano e medieval”, colóquio “Lagoa da Pederneira: Geologia e História”, Câmara Municipal da Nazaré. Resumo offline.
(2) Blot, M.L. Pinheiro (2002) Os portos na origem dos centros urbanos. Contributo para a arqueologia das cidades marítimas e fluvio-marítimas em Portugal. Lisboa, Instituto Português de Arqueologia, Trabalhos de Arqueologia, 28: 225-231. Disponível online em (consultado a 2006-12-12):
http://www.ipa.min-cultura.pt/pubs/TA/folder/28
(3) Dinis, Jorge (2005) “O Vale da Lagoa da Pederneira: Condicionantes Geológicas e Evolução do Diapiro das Caldas da Rainha”, colóquio “Lagoa da Pederneira: Geologia e História”, Câmara Municipal da Nazaré. 
(4) Henriques, Maria Virgínia (2005) “Da Lagoa da Pederneira à Planície Aluvial da Nazaré - Evolução histórico-geográfica”, colóquio “Lagoa da Pederneira: Geologia e História”, Câmara Municipal da Nazaré. Resumo offline.
(5) Blot, M.L. Pinheiro (2002) Os portos na origem dos centros urbanos. Contributo para a arqueologia das cidades marítimas e fluvio-marítimas em Portugal. Lisboa, Instituto Português de Arqueologia, Trabalhos de Arqueologia, 28: 225-231.


Fontes/ Bibliografia Científica:
Blot, M.L. Pinheiro (2002: Os portos na origem dos centros urbanos. Contributo para a arqueologia das cidades marítimas e fluvio-marítimas em Portugal. Lisboa, Instituto Português de Arqueologia, Trabalhos de Arqueologia, 28: 225-231. Disponível online em (consultado a 2006-12-12):
http://www.ipa.min-cultura.pt/pubs/TA/folder/28
Dinis, Jorge & Costa, Pedro (2003) “Holocenic infill of the Caldas da Rainha tectonic valley. Anthropological impacts and the fast evolution of three coastal lagoons”, Rapid and catastrophic environmental changes in the Holocene and human response, first joint meeting of IGCP 490 and ICSU Environmental catastrophes in Mauritania, the desert and the coast, January 4-18, 2004, Atar, MauritaniaDisponível online em:
http://atlas-conferences.com/cgi-bin/abstract/camu-07
Dinis, Jorge; Henriques, Virginia; Freitas, Maria Conceição & Andrade, César (2005) “The holocenic evolution of the Óbidos, Alfeizerão and Pederneira lagoons (western Portugal). Natural and anthropic forcing”, Conferece proceedings Iberian Coastal Holocene Paleoenvironmental Evolution, Lisboa, Portugal, 24-29 July 2005.
Dinis, Jorge (2006) “O Vale da Lagoa da Pederneira: Condicionantes Geológicas e Evolução do Diapiro das Caldas da Rainha”, colóquio “Lagoa da Pederneira: Geologia e História”, Câmara Municipal da Nazaré.

Freitas, Maria da Conceição (2006) “A Lagoa da Pederneira no contexto da evolução Holocénica do Litoral Centro”, colóquio “Lagoa da Pederneira: Geologia e História”, Câmara Municipal da Nazaré.
Guardado da Silva, Carlos & Gomes Barbosa, Pedro “A Lagoa da Pederneira nos períodos romano e medieval”, colóquio “Lagoa da Pederneira: Geologia e História”, Câmara Municipal da Nazaré.
Henriques, Maria Virgínia (2006) “Da Lagoa da Pederneira à Planície Aluvial da Nazaré - Evolução histórico-geográfica”, colóquio “Lagoa da Pederneira: Geologia e História”, Câmara Municipal da Nazaré.

Código Dom Fuas: qual o verdadeiro significado e origem da lenda de Nossa Senhora da Nazaré?

O Sítio da Nazaré está associado a uma das mais conhecidas lendas Portuguesas: a lenda de Nossa Senhora da Nazaré. Para contar esta estória há que recuar cerca de 2 mil anos e viajar até à outra Nazaré, no Médio Oriente.



O carpinteiro José teria esculpido uma imagem de Maria, sua esposa e mãe de Jesus Cristo. Depois de diversos percalços, esta imagem chegou até ao Mosteiro de Cauliniana, em Mérida, onde se encontrava refugiado o rei visigodo D. Rodrigo, após derrota contra os mouros na batalha de Guadalete em 711. Temendo o avanço dos seus inimigos, D. Rodrigo e Frei Romano, um dos monges do Mosteiro, decidem rumar a local mais seguro, transportando consigo relíquias e a imagem de Nossa Senhora.

Assim, o rei e o frei teriam chegado em 714 à região da Nazaré, mais exactamente ao monte de São Brás ou de São Bartolomeu. Optam por separar-se: D. Rodrigo fica no monte enquanto Frei Romano se estabelece numa elevação próxima, para onde leva a imagem e outras relíquias e onde constrói um nicho para depositar a figura de Nossa Senhora. Depois da morte do frei, D. Rodrigo decide partir para norte. No local, ficaria escondida a imagem de Nossa Senhora de Nazaré (1).

Avancemos quatrocentos e sessenta e oito anos: em 1182, numa manhã de nevoeiro, Dom Fuas Roupinho, alcaide-mor do castelo de Porto de Mós, lança-se na perseguição de um veado. De repente, surge à sua frente um precipício para o mar. A morte era certa. Em desepero, Dom Fuas recorda-se da imagem de Nossa Senhora da Nazaré que tinha descoberto tempos antes próximo do local e pede-lhe auxílio. E – milagre! – Nossa Senhora da Nazaré aparece a Dom Fuas, estancando as patas do seu cavalo e salvando-o assim de uma queda fatal.

Em honra deste milagre, Dom Fuas teria ordenado a construção da Ermida da Memória, junto ao precipício (2). A fama do milagre terá atraído peregrinos como D. Afonso Henriques e Vasco da Gama. O que é certo é que a popularidade da lenda e do milagre “explodiu” nos séculos XVII e XVIII, fenómeno atestado pela realização de Círios - grandes peregrinações colectivas ao Sítio da Nazaré vindas de diferentes pontos do País.

Durante o século XX, as peregrinações a este local diminuíram de forma substancial. A decadência do culto pode ser explicada pela instabilidade que se fez sentir depois da proclamação da República em 1910 e, a partir de 1917, devido à crescente popularidade do culto a Nossa Senhora de Fátima. Curiosamente, nos últimos anos com o desenvolvimento do turismo religioso, o culto à Senhora de Fátima acabaria por ter influência no aumento de visitas ao santuário da Senhora da Nazaré, em particular nos dias 13 de Maio, 13 de Outubro e no Verão.

No entanto, entre a lenda de Nossa Senhora da Nazaré e a verdade histórica existem grandes diferenças:
- a imagem de Nossa Senhora da Nazaré é trabalho de uma oficina regional e é datada do século XIV ou XV;
- Dom Fuas Roupinho terá sido uma figura imaginária, já que não existem documentos ou provas fidedignas que sustentem que tenha existido;
- a lenda de Nossa Senhora da Nazaré, tal como hoje a conhecemos, surge no século XVI pela mão de Frei Bernardo de Brito, monge de Alcobaça, com base em relatos orais das pessoas da região.

Mais recentemente, a lenda de Nossa Senhora da Nazaré viria a ser objecto da investigação do especialista em Sociologia das Religiões, Moisés Espírito-Santo. Em 2005, Moisés Espírito-Santo publicou o livro Cinco Mil anos de Cultura a Oeste, no qual defende que a tese de que esta lenda é, na verdade, um mito fenício com 3.500 anos (3).

Esta e outras teses de Moisés Espírito-Santo expostas no livro Cinco Mil anos de Cultura a Oeste têm suscitado polémica e discussão na região e nos meios académicos, mas até agora não foi refutada ou corroborada por outros investigadores. No entanto, para a população local que significado pessoal tem a Lenda de Nossa Senhora da Nazaré?

Talvez o verdadeiro significado e origem da lenda de Nossa Senhora da Nazaré ainda esteja por desvendar por completo. No entanto, o contributo de Moisés Espírito-Santo tem o inegável mérito de repensar a história desta região e, assim, de nos levar a viajar até ao Médio Oriente, ao berço da civilização Fenícia e, de nos levar a viajar no tempo até há mais 5 mil anos.


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É livre a reprodução para fins não comerciais, desde que o autor e a fonte sejam citados.
Citar como: Quico, Célia (2008) “Código Dom Fuas: qual o verdadeiro significado e origem da lenda de Nossa Senhora da Nazaré?”. Disponível em <http://nazare-portugal.blogspot.com/2008/06/cdigo-dom-fuas-qual-o-verdadeiro.html
> acedido em (data).
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Notas:
(1) e (2) “Lenda de Nossa Senhora da Nazaré”, site Confraria de Nossa Senhora da Nazaré”. Disponível online em (consultado em 12-06-2006):
http://www.cnsn.pt/portal/index.php?id=1195&layout=detail
(3) Espírito-Santo, Moisés (2005) Cinco Mil Anos de Cultura a Oeste: Etno-História da Religião Popular numa Região da Estremadura. Lisboa: Editora Assírio & Alvim

Fontes/ Bibliografia Científica:
Alão, Manuel de Brito (2001) Antiguidade da Sagrada Imagem de Nossa Senhora da Nazaré, edição de Pedro Penteado, Edições Colibri/ Confraria de Nossa Senhora da Nazaré.
Biti-Anat ,Lilinah trad. (1995-1997) “Epic of Baal: Part I: The Battle of Ba´al and Yahm”.Disponível online em (consultado em 06-12-2006): http://www.geocities.com/SoHo/Lofts/2938/baalyam.html
Espírito-Santo, Moisés (2005) Cinco Mil Anos de Cultura a Oeste: Etno-História da Regilião Popular numa Região da Estremadura, Assírio & Alvim.
Penteado, Pedro (1998) Peregrinos da Memória. O Santuário de Nossa Senhora de Nazaré 1600 – 1785, Centro de Estudos de História Religiosa da U.C.P.
Penteado, Pedro (200x) “A Lenda de Nossa Senhora da Nazaré”, site Câmara Municipal da Nazaré.Disponível online em (consultado em 10-06-2006): http://www.nazare.oestedigital.pt/custompages/showpage.aspx?pageid=48d53d58-0b11-41b8-86bb-c262c09723f8&m=b24
“Lenda de Nossa Senhora da Nazaré”, site Confraria de Nossa Senhora da Nazaré.Disponível online em (consultado em 12-06-2006): http://www.cnsn.pt/portal/index.php?id=1195&layout=detail

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Que tesouros se encontram no maior canhão submarino da Europa?

O Canhão da Nazaré é o maior canhão submarino da Europa e um dos maiores do mundo, com uma extensão de 230 quilómetros desde a sua boca a 5 mil metros de profundidade até à cabeça, próxima da praia da Nazaré (1).



Os canhões submarinos são vales cavados nas margens continentais, que funcionam como condutas de escoamento de sedimentos dos continentes para as profundezas dos oceanos (2). Se não fossem cobertos por água, os canhões submarinos seriam das paisagens mais dramáticas do nosso planeta: as gargantas estreitas, vertentes inclinadas e formas sinuosas destes canhões são em tudo semelhantes ao famoso Grand Canyon (3).

No decurso dos últimos anos, o Canhão da Nazaré tem vindo a ser investigado por geólogos e oceanógrafos europeus, com o objectivo de compreender a sua estrutura geológica e os processos dinâmicos e sedimentares que nele ocorrem. Pouco se sabe, no entanto, acerca da sua biologia, devido às dificuldades em trabalhar neste tipo de ambiente extremo. Contudo, as observações já realizadas mostraram que neste canhão ocorrem processos dinâmicos e sedimentares extremamente energéticos, que resultam na formação de ecossistemas marinhos profundos específicos (4).

Estes aspectos fizeram do Canhão da Nazaré uma das áreas centrais da investigação presentemente conduzida por um consórcio internacional ao longo de toda a margem continental Europeia, com a finalidade de formular recomendações para a gestão sustentada dos ecossistemas marinhos profundos aí existentes. O projecto HERMES - acrónimo para “Hotspot Ecosystem Research on the Margins of the European Seas”) – integra 45 entidades parceiras de 15 países europeus, sendo financiado no quadro do 6º Programa Quadro - Alterações Globais e Ecossistemas. Este projecto teve início em 2005, decorrendo até 2009. Nele participam duas instituições portuguesas, o Instituto Hidrográfico da Marinha e a Universidade de Aveiro. O coordenador regional das actividades do projecto HERMES na área Portugal-Golfo de Cádiz é João Vitorino, oceanógrafo do Instituto Hidrográfico da Marinha.

As campanhas oceanográficas com carácter multi-disciplinar são um dos pontos fundamentais dos programas de observação do Canhão da Nazaré conduzido no quadro do projecto HERMES. No Verão de 2005 realizou-se o primeiro cruzeiro oceanográfico conduzido pelo Instituto Hidrográfico no âmbito do projecto HERMES, a bordo do navio hidrográfico NRP “D.Carlos I”. Um novo cruzeiro teve em Junho-Julho de 2006.

O esforço das campanhas é complementado por uma observação ao longo do tempo em localizações seleccionadas do canhão. Os sistemas actualmente utilizados pelo Instituto Hidrográfico para a monitorização de longo período das condições oceanográficas no Canhão da Nazaré são as amarrações corrento-métricas. Tratam-se de linhas com instrumentação que estão fixas ao fundo do mar e que se estendem até perto da superfície, mantendo-se verticais com o auxilio de flutuadores. Ao longo destas linhas são colocados diversos tipos de equipamentos que registam numa memória sólida os dados de corrente, temperatura, salinidade e turbidez da água do mar. Ao fim de 4- 5 meses, os sistemas são recolhidos, a informação é descarregada para computadores e as amarrações são novamente colocadas no mar . Presentemente o Instituto Hidrográfico mantém três amarrações corrento-métricas colocadas em três posições distintas ao longo do eixo do canhão: a 3.500 metros, a 1.600 metros e a 600 metros de profundidade. Existe já um conjunto de dados bastante interessante sobre o Canhão da Nazaré, quer para a comunidade científica quer para a comunidade local, em particular para quem vive da exploração do mar.

A questão da exploração dos ecosistemas marinhos é essencial para uma região em que a pesca é uma actividade importante da sua economia e, também, na sua cultura. Sendo o Canhão da Nazaré como que o motor da abundância e diversidade de peixe deste mar, graças à riqueza de nutrientes das suas águas, cedo se instalaram à sua beira-mar comunidades que fizeram da exploração do mar o seu modo de vida. Hoje em dia, nas lotas dos portos de pesca da Nazaré e de Peniche é desembarcado cerca de 20 por cento de todo o pescado em Portugal Continental (5). O porto de pescas de Peniche é o segundo maior do País, a seguir ao de Matosinhos: em termos de volume de pescado em 2005 foram descarregadas 22.450 toneladas de pescado na lota. Já no porto da Nazaré, de construção mais recente e de menor dimensão, foram descarregadas 4.615 toneladas de pescado em 2005. No entanto, de ano para ano, o número de embarcações e de pescadores vai diminuindo. Hoje em dia, as tradicionais artes da pesca são complementadas por tecnologia, como é o caso dos sonares - um precioso auxiliar para o trabalho dos pescadores.

Projectos científicos como o HERMES possibilitam o desenvolvimento e teste de tecnologias que poderão vir a ter grande utilidade aos pescadores a trabalhar ao longo da costa Portuguesa. É o caso do sistema CORSED (CORrentes e SEDimentos) e que está a ser testado pelo Instituto Hidrográfico da Marinha, no âmbito do projecto HERMES. Trata-se de um sistema que permitirá monitorizar a corrente ao largo da costa, entre a superfície e o fundo, transmitindo essa informação para terra em tempo real. Os dados obtidos com este tipo de sistemas poderão ser utilizados em modelos matemáticos de previsão, os quais permitem estimar a evolução futura do oceano costeiro a partir do conhecimento do seu estado actual.


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É livre a reprodução para fins não comerciais, desde que o autor e a fonte sejam citados.
Citar como: Quico, Célia (2008) “Que tesouros se encontram no maior canhão submarino da Europa?”. Disponível em <http://nazare-portugal.blogspot.com/2008/06/que-tesouros-se-encontram-no-maior.html >
acedido em (data).
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Notas:
(1) Coelho, Henrique; Garcia, A.C & Neves, Ramiro (2003) “Aspects of circulation over submarine canyons: A numerical study”, 4º Simpósio sobre a “Margem Ibérica Atlântica”, Vigo, 7 a 10 Julho, 2003. Disponível online: http://maretec.mohid.com/PublicData/products/ConferencePapers/NazareCanyon.pdf
(2) Marta, Entradas (2004) “Canhões Submarinos”. Disponível online (consultado a 12-06-2006): http://www.cienciaviva.pt/projectos/semapp/canhoes.asp
(3) Weaver, Philip P.E; Billett, David S.M; Boetius, Antje; Danovaro, Roberto; Freiwald, André & Sibuet, Myrian (2004) “Hotspot Ecosystem Research on Europe’s Deep-Ocean Margins”, Oceanography, Volume 17, Number 4. Disponível online (consultado a 02-06-2006): http://www.eu-hermes.net//
(4) Marinha (2005) “Investigadores europeus estudam canhões submarinos a bordo do NRP D. Carlos I”, Comunicado de Imprensa, 12-07-2005. Disponível online (consultado a 09-06-2006): http://www.marinha.pt/Marinha/PT/Menu/Imprensa/Comunicados/
(5) DGPA (2005) “Datapescas, Janeiro-Dezembro 2005”, nº 67, Direcção-Geral das Pescas e Aquicultura. Disponível online (consultado em 12-06-2006): http://www.dg-pescas.pt/

Fontes/ Bibliografia Científica:
Amaro, T; Billett, DSM; Gooday, AJ; Pattenden, A.; de Stigter, H. & Weaver, PPE (2005) “Deep-sea canyon fauna on the Portuguese margin”, Geophysical Research Abstracts, Vol. 8, 10953, 2006 SRef-ID: 1607-7962/gra/EGU06-A-10953. Abstract disponível online (consultado em 2006-06-12):
http://www.cosis.net/abstracts/EGU06/10953/EGU06-J-10953-1.pdf
Coelho, Henrique; Garcia, A.C & Neves, Ramiro (2003) “Aspects of circulation over submarine canyons: A numerical study”, 4º Simpósio sobre a “Margem Ibérica Atlântica”, Vigo, 7 a 10 Julho, 2003. Disponível online em (consultado a 06-06-2006):
http://maretec.mohid.com/PublicData/products/ConferencePapers/NazareCanyon.pdf
Epping, Eric; Zee, Claar van der; Soetaert, Karline; Helder, Willem (2002) “On the oxidation and burial of organic carbon in sediments of the Iberian margin and Nazare´ Canyon (NE Atlantic)”, Netherlands Institute for Sea Research (NIOZ), Department of Marine Chemistry and Geology. Disponível online em (consultado a 06-06-2006): http://www.faculty.iu-bremen.de/course/spring05/c210102/ocean/Epping-Nazaree2002.pdf
Quaresma, L. et al.(2005) “Non-linear internal waves generated at the Nazare Canyon: observations over the W Portuguese inner shelf”, Poster, European Geosciences Union General Assembly 2005 Vienna, Austria, 24 – 29 April 2005. Disponível online em (consultado a 11-06-2006): http://meetings.copernicus.org/egu2006/download/poster_quaresma.pdf
Vitorino, João; Oliveira, A. & Beja, J. (2005) “The Nazare Canyon (WPortugal): Physical processes and sedimentary impacts”, Geophysical Research Abstracts, Vol. 7, 10013, 2005. SRef-ID: 1607-7962/gra/EGU05-A-10013. Abstract disponível online (consultado a 10-06-2006): http://www.cosis.net/abstracts/EGU05/10013/EGU05-J-10013.pdf
Vitorino, João; Oliveira, A. & Beja, J. (2005) “Physical processes in the Nazare Canyon area and related sedimentary impacts”, Geophysical Research Abstracts, Vol. 7, 10187, 2005 SRef-ID: 1607-7962/gra/EGU05-A-10187 . Abstract disponível online (consultado a 10-06-2006): http://www.cosis.net/abstracts/EGU05/10187/EGU05-J-10187.pdf
Weaver, Philip P.E; Billett, David S.M; Boetius, Antje; Danovaro, Roberto; Freiwald, André & Sibuet, Myrian (2004) “Hotspot Ecosystem Research on Europe’s Deep-Ocean Margins”, Oceanography, Volume 17, Number 4. Disponível online (consultado a 02-06-2006): http://www.eu-hermes.net/
Weaver, P.P.E. and et al, . (2004) RRS Charles Darwin Cruise CD157, 28 May - 13 June 2004. Sediment transport through the Setubal and Nazare Canyons. Southampton, UK, Southampton Oceanography Centre, 27pp. (Southampton Oceanography Centre Cruise Report, 49). Disponível online em (consultado a 11-06-2006): http://eprints.soton.ac.uk/14006/
Weaver, P.P.E. and et al, . (2005) RRS "Discovery" Cruise D297, 27 Jul - 16 Aug 2005. The geobiology of the Nazare and Setubal Canyons, Portuguese Continental Margin. Southampton, UK, National Oceanography Centre, Southampton, 41pp. (National Oceanography Centre Southampton Cruise Report, 1). Disponível online em (consultado a 11-06-2006): http://eprints.soton.ac.uk/17525/
Weering, Tjeer van; de Stigter, Henko; Boer, Wim; Gieles, Rineke; Epping, Eric; Koning, Erica & van den Bergh, Gert (2005) “Submarine Canyons: pathways of particulate matter transport to the deepsea”, report. Disponível online (consultado a 10-06-2006): http://www.nioz.nl/public/annual_report/2005/henko.pdf
Weering, Tjeer van; de Stigter, Henko.; Boer, Wim; de Haas, H. (2002) “Recent sediment transport and accumulation on the NW Iberian margin”, Netherlands Institute for Sea Research (NIOZ). Disponível online em (consultado a 06-06-2006):
http://www.faculty.iu-bremen.de/course/spring05/c210102/ocean/TjeerdOMEXII.pdf

quarta-feira, 11 de junho de 2008

O “outro Portugal” visto pelos grandes fotojornalistas - o caso particular da Nazaré

Henri Cartier-Bresson, Edouard Boubat, Jean Dieuzaide, Bill Perlmutter foram alguns dos grandes repórteres fotográficos que passaram por Portugal e pela Nazaré, sobretudo na década de 1950. Viram para além do folclore e dos lugares-comuns turísticos e revelaram um “outro Portugal”.


(1958) Bill Perlmutter

Portugal foi descoberto pelos grandes repórteres fotográficos a partir da década de 50 do século passado, precisamente no apogeu do fotojornalismo, como aponta o crítico cultural Jorge Calado: “visualmente, Portugal estava na moda” (1).

A Segunda Guerra Mundial tinha passado ao lado do país: o resto da Europa renascia das cinzas da guerra e modernizava-se, enquanto Portugal permanecia agarrado aos vestígios de um glorioso passado, voltando as costas ao progresso. O centro emanador da política cultural do Estado Novo – o Secretariado de Propaganda Nacional – teve como primeira grande intervenção da criação de uma linguagem folclórica nacional no final da década de 1930 com o concurso da "Aldeia mais Portuguêsa", para apurar qual a localidade do território metropolitano que reunia o maior número de características da "Portugalidade” (2). A aldeia de Monsanto, no distrito de Castelo Branco, foi a eleita e foi apresentada como o modelo a seguir, observa o musicólogo João Soeiro Carvalho: “Esta aldeia viu-se, de repente, congelada no tempo, e transformada em modelo oficial da Portugalidade, a imitar por outras localidades. Foi objecto de uma grande mediatização, através da rádio, do cinema, de quase todos os jornais e revistas, de livros e colecções de postais, panfletos turísticos e discos”(3).

No entanto, a propaganda do Estado Novo não surtia efeitos em fotojornalistas como Cartier-Bresson ou Edouard Boubat. “Mal chegavam a Lisboa, quase todos os visitantes rumavam à Nazaré. A combinação de fervor religioso e costumes ancestrais com um mar traiçoeiro reveleva-se irresistível”, faz notar Jorge Calado (4).


Nazaré - Portugal (1955) Henri Cartier Bresson

Outro grande pólo de atracção fotográfica foi a revolução de 1974 “a última grande aventura do fotojornalismo em Portugal”, observa ainda Jorge Calado.

Ao país “oficial” prestaram pouca atenção fotógrafos como Jean Dieuzaide ou, quando muito, uma atenção distraída, escreve o ensaísta Eduardo Lourenço no texto de introdução ao livro de Dieuzaide Portugal 1950. Em particular, nota Eduardo Lourenço, as mulheres da Nazaré são “ícones da nossa mitologia arcaica”, que aos olhos de Dieuzaide são “verdadeiras madonas, sem lenda, cuja única memória é a memória sem idade do nosso povo, mais antiga do que ele. Elas situam-se para além da História, à imagem do que acontece com uma grande parte do nosso país, e vivem os restos de uma aventura colectiva cultivada pelo “outro Portugal” (5).


Petite Fille au Lapin (1958) Jean Dieuzaide

Esse outro Portugal não escaparia à objectiva de Edouard Boubat, que na praia da Nazaré fez uma das suas mais conhecidas fotografias, que haveria de figurar na capa do deu primeiro livro - Ode Maritime - publicado no Japão em 1957.


Nazaré - Portugal (1956) Edouard Boubat

"It was my first trip to Portugal, I believe it was in 1956. (...) we arrived at a hotel by the seaside, Sophie was a little tired, and I said, "I am going to the beach," I had only my little old Leica, and that man was there, click. I had only arrived half an hour before, but there he was, with his child, as if he had been waiting for me, and so I took my first photo of Portugal, a photo that will endure. I had come a long way, I had dreamt of Portugal, so in a sense I too was waiting for him, there was expectation on both sides. In some way, a photo is like a stolen kiss. In fact a kiss is always stolen, even if the woman is consenting. With a photograph it's the same: always stolen, and still slightly consenting."

Esse outro Portugal seria também capturado em película por Stanley Kubrick em 1948, como observa Rainer Crone no recente livro Stanley Kubrick : Drama & Shadows.

Em vez de concentrar a sua atenção nos lugares-comuns turísticos como igrejas e monumentos, o então jovem fotógrafo da revista Look preferiu olhar para o quotidiano desta vila piscatória arcaica, capturando a dignidade humana dos seus habitantes e dando testemunho do seu fascínio e respeito pelo povo e respectiva cultura (6). Kubrick viu o “Portugal estrangeiro”, nota Jorge Calado, o das viúvas da Nazaré e dos moinhos de vento, como outros que lhe sucederiam em Portugal, “mas também soube encará-las de frente para começar a desfiar o seu fado de tragédia grega” (7).


(1948) Stanley Kubrick

Se hoje fotos como estas são consideradas por alguns como turísticas, assinala ainda Jorge Calado, tal se deve a se ter vergonha da diferença e a se preferir segregar a tristeza e a pobreza para os guetos: “o português só se vira para o Portugal dos pobrezinhos e da resignação dos lenços pretos por opção política. (…) O estrangeiro não tem tais preconceitos. Vê a vida a cinzenzo e intui a sua presença no outro e no diferente”. Assim, a Nazaré ocupa um lugar único na fotografia portuguesa, defende Calado: “A Nazaré foi a nossa Coney Island, a Trafalgar Square de todas as demonstrações. E que seria da fotografia americana sem a primeira ou da inglesa sem a segunda? A Nazaré não está nem mais nem menos presente no imaginário colectivo do que a praia proletária à beira de Manhattan” (8).

Numa época em que as mulheres já não aguardam os seus homens na praia e que poucos são os pescadores que dão continuidade às tradicionais artes da pesca, fica a pergunta: a Nazaré ainda é fotogénica?


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É livre a reprodução para fins não comerciais, desde que o autor e a fonte sejam citados.
Citar como: Quico, Célia (2008) “O “outro Portugal” visto pelos grandes fotojornalistas - o caso particular da Nazaré”. Disponível em <
http://nazare-portugal.blogspot.com/2008/06/o-outro-portugal-visto-pelos-grandes.html> acedido em (data).
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Notas:
(1) Calado, Jorge (2005) Olhares Estrangeiros – Fotografias de Portugal, catálogo de exposição no Espaço Chiado 8 – Arte Contemporânea, de 29 Novembro de 2005 a 31 de Janeiro de 2006, edição Culturgest.
(2) (3) Soeiro de Carvalho, João (1996): “A Nação Folclórica: projecção nacional, política cultural e etnicidade em Portugal”, Revista Transcultural de Música/ Transcultural Music Review. Disponível online em (consultado em 2006-07-07):
http://www.sibetrans.com/trans/trans2/soeiro.htm
(4) Calado, Jorge (2005) Olhares Estrangeiros – Fotografias de Portugal, catálogo de exposição no Espaço Chiado 8 – Arte Contemporânea, de 29 Novembro de 2005 a 31 de Janeiro de 2006, edição Culturgest.
(5) Dieuzaide, Jean (fotografias); Lourenço, Eduardo (texto) (1998) Portugal 1950, edição Centre Nacional du Livre.
(6) Crone, Rainer (2005) Stanley Kubrick: Drama & Shadows, Phaidon Press.
(7) (8) Calado, Jorge (2006) “Cinema e fotografia”, revista “Actual” suplemento do jornal “Expresso”, 20 de Janeiro de 2006.

A presença da Nazaré no Cinema Português: entre o vanguardista e o folclórico

As gentes e a paisagem da Nazaré foram matéria-prima para alguns dos mais singulares filmes do Cinema Português: Nazaré, Praia de Pescadores (1929) e Maria do Mar (1930), ambos realizados por António Leitão de Barros, são marcos na cinematografia Portuguesa que merecem ser redescobertos.


Maria do Mar (1930) António Leitão de Barros

A Nazaré iria servir pela primeira vez de cenário a um filme português em 1923, com Os Olhos da Alma de Roger Lion.


Olhos da Alma (1923) Roger Lion

Para o investigador Paulo Manuel Ferreira da Cunha a curiosidade deste filme foi “a extraordinária revelação da comunidade piscatória que rapidamente se iria tornar um dos cenários mais trágicos, folclóricos e emblemáticos da marcha do cinema português” (1).
Assim, em 1929 seria a vez de António Leitão de Barros apresentar o documentário Nazaré, Praia de Pescadores, que terá sido inspirado por um filme amador de António Lopes Ribeiro (2). Desta obra restam nos nossos dias apenas 318 metros dos 900 metros de película da versão original. No entanto, o que dele restou é plasticamente admirável, observa o historiador e crítico de cinema João Bénard da Costa, acrescentando que “talvez nunca mais tenha voltado a ser conseguido, com tanta força e pureza, na obra do autor” (3).

Considerado como a grande referência da década de vinte, este documentário evidencia fortes influências do cinema de vanguarda da época, em particular do cinema soviético e de autores como Sergei Eisenstein. Com Nazaré, Praia de Pescadores tinha nascido um possível cinema português, aponta o historiador de cinema Luís de Pina:” era um caminho, que veio a ser trilhado por mais alguns e que teve sempre a vantagem de fugir às ilusões realistas pela via do lírico e, porque não, do sentimental" (4).


Nazaré, Praia de Pescadores (1929) António Leitão de Barros

Em 1930, Leitão de Barros faz estrear a sua primeira longa-metragem de ficção – Maria do Mar -, que teve de novo como palco a Nazaré. Esta obra foi unanimemente considerada na época da sua estreia como “o maior acontecimento cinematográfico português até então” (5). Entre o filme de ficção e o documentário, Maria do Mar juntava à comunidade piscatória da Nazaré alguns dos maiores actores de teatro dessa altura, como Adelina Abranches e Alves da Cunha.

A narrativa é singela e convencional, na opinião do historiador de cinema Luís de Pina, sendo os pontos fortes do filme a linguagem plástica das imagens e o lado documental da acção. Ainda, Luís de Pina destaca a audácia e modernidade de Leitão de Barros “no modo como revelou sensualmente os corpos e como insinuou um claro erotismo em algumas cenas (o pai afagando os seios da filha, o pescador quase nu trazendo a rapariga nua sob o vestido molhado, a recortar-lhe as formas, o banho das jovens perto da foz)”, injectando uma outra verdade e uma motivação mais intensa aos comportamentos (5).


Maria do Mar (1930) António Leitão de Barros

Em 1952, Manuel Guimarães estreava a longa-metragem de ficção Nazaré, sobre a condição social dos pescadores nazarenos, sendo o argumento baseado numa história de Alves Redol (que viria a publicar em 1959 o romance Uma Fenda na Muralha sobre os pescadores da Nazaré). Desde meados da década de quarenta que sopravam novos ventos no Cinema: a vanguarda cinematográfica era agora liderada por cineastas como Roberto Rossellini, Luchino Visconti e Michelangelo Antonioni. Estes e outros realizadores viriam a formar o movimento neo-realista italiano, que se caracterizava pela atenção dada à condição das classes trabalhadores e dos pobres, pela rodagem nos locais em detrimento do estúdio, pela importância dada aos actores amadores em detrimento das estrelas e actores profissionais. O neo-realismo italiano viria a influenciar cineastas de todo o mundo, inclusivé de Portugal, como foi o caso de Manuel Guimarães. A sua primeira longa-metragem Saltimbancos (1951), apesar dos cortes impostos pela Censura, marca a diferença em relação às comédias de tom ligeiro da época e às grandes produções sobre temas da História de Portugal.

Assim, havia muita expectativa quando ao próximo filme de Manuel Guimarães: no entanto, Nazaré vem a decepcionar, já que apesar da intenção de recusa do folclórico, acabou por exibir ”muitas semelhanças com o tipo de filme populista e ruralista tão profícuo em décadas anteriores”, como nota Paulo Manuel Ferreira da Cunha. De notar que tal como aconteceu com o seu anterior filme, Manuel Guimarães também viu Nazaré sofrer cortes da Censura (6).


Nazaré (1952) Manuel Guimarães

Na década de vinte como na década de cinquenta, quando cineastas portugueses se voltaram para o realismo, para a autenticidade, a Nazaré serviu de matéria-prima a alguns objectos singulares na cinematografia nacional. O investigador Paulo Manuel Ferreira da Cunha defende que “a introdução em Portugal de processos realistas da filmagem natural (…) e a influência das cinematografias realistas externas levaram os nossos cineastas à descoberta do mais característico cenário rural nacional: a pequena comunidade piscatória da Nazaré”, que se destacava pela sua riqueza etnográfica, humana e pitoresca (7).

E hoje, ainda há filmes para rodar na Nazaré?

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É livre a reprodução para fins não comerciais, desde que o autor e a fonte sejam devidamente citados.
Citar como: Quico, Célia (2008) “A presença da Nazaré no Cinema Português: entre o vanguardista e o folclórico”. Disponível em <http://nazare-portugal.blogspot.com/2008/06/presena-da-nazar-no-cinema-portugus.html> acedido em (data).
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Notas:
(1) (2) Ferreira da Cunha, Paulo Manuel (2001) “O Pescador: representações do homem e do seu meio no Cinema Português”, revista Oceanos “Os Pescadores” nº 47/48 Julho-Dezembro 2001, edição Comissão Nacional para a Comemoração dos Descobrimentos Portugueses.
(3) Bénard da Costa, João (1991) Histórias do Cinema, colecção Sínteses da Cultura Portuguesa, Europália 91, edição Imprensa Nacional-Casa da Moeda. Citação disponível online em (consultado em 2007-07-03): http://www.amordeperdicao.pt/basedados_filmes.asp?filmeid=474
(4) (5) Pina, Luís de (1986) História do Cinema Português, edição Europa-América. Citação disponível online em (consultado em 2007-07-03): http://www.amordeperdicao.pt/basedados_filmes.asp?filmeid=474
(6) (7) Ferreira da Cunha, Paulo Manuel (2001) “O Pescador: representações do homem e do seu meio no Cinema Português”, revista Oceanos “Os Pescadores” nº 47/48 Julho-Dezembro 2001, edição Comissão Nacional para a Comemoração dos Descobrimentos Portugueses.