A lagoa da Pederneira foi um braço de mar vasto que no seu apogeu, há cerca de 5000 anos, se estendia até bem próximo de Alcobaça e de Alfeizerão. Aqui se encontravam estaleiros de construção de embarcações de pesca na lagoa, na costa ou em alto-mar (1). Os pequenos portos de Cós, Cela, Valado dos Frades, Maiorga, Famalicão e Pederneira constituíam o complexo portuário da lagoa da Pederneira (2).
Como desapareceu então a lagoa da Pederneira? Para compreender este fenómeno é necessário recuar milhões de anos e observar como foi formada esta lagoa e as lagoas vizinhas de Óbidos e Alfeizerão:
- há cerca de 300 milhões de anos, o final de uma colisão entre continentes criou uma grande fractura, que se detecta desde Pombal, atravessa Leiria e as proximidades da Nazaré, dá origem às águas termais das Caldas da Rainha e alcança o mar em Santa Cruz; esta fractura, conhecida como falha das Caldas da Rainha ficaria adormecida.
- quando os antigos continentes se afastam novamente, criando o Atlântico, a tensão na crosta terrestre fez abrir a falha das Caldas da Rainha um pouco antes da América se separar da Ibéria; há cerca de 140-130 milhões de anos os materiais em fusão ascenderam até quase à superfície, dando origem aos montes de São Bartolomeu e do castelo de Leiria, entre outros menores na região.
- já perto da extinção dos dinossauros, há cerca de 70 a 60 milhões de anos, a Ibéria entra em colisão com a Europa e a África; há aproximadamente 10 milhões de anos decorreria o momento de maior intensidade do choque com a África, do qual resultaria um relevo mais recortado nesta região.
Uma vez definida esta grande estrutura, há cerca de 10 milhões de anos, os processos que actuam sobre a superfície do planeta e que causam a erosão dos materiais - a chuva, o vento, os rios – acabariam por varrer o núcleo da estrutura até criar um vale. Aproximadamente, desde há 700 mil anos até há 20 mil anos, o planeta passou por fases de glaciações intensas e de degelo: pelo menos por quatro vezes o nível do mar oscilou de forma muito significativa. Assim, seriam formadas a lagoa da Pederneira, a lagoa de Alfeizerão e a lagoa de Óbidos (3).
As lagoas tiveram a sua máxima expressão há cerca de cinco a sete mil anos, quando o nível do mar atingiu a situação actual. Desde então, com a estabilização do nível do mar, a tendência natural deste tipo de área circunscrita é que seja assoreada, ou seja, que vá enchendo com sedimentos provenientes das suas margens e de rios. As lagoas da Pederneira, Alfeizerão e Óbidos não foram excepção.
A povoação da Pederneira já existiria aquando da fundação do Mosteiro de Alcobaça, pelos monges de Cister, em finais do século XII, localizando-se a sueste da sua localização actual, na margem da lagoa de mesmo nome.
No entanto, a acção dos homens também teve o seu peso neste processo. A Reconquista e instalação dos monges de Cister em Alcobaça terá por consequência o aumento demográfico na região. Os monges de Cister seriam responsáveis pela introdução de novas técnicas agrícolas, que levariam à deflorestação de vastas áreas, aumentando a erosão despejada na lagoa, assim como a secagem artificial de zonas pantanosas. Por coincidência, nos séculos XII e XIII ocorre uma fase de clima mais quente, conhecida como “óptimo Climático Medieval”.
O século XIV é um periodo de crise: guerras internas e Ibéricas, grandes surtos de peste e arrefecimento climático. Já nos séculos XV e XVI assiste-se ao grande desenvolvimento impulsionado pelos Descobrimentos. A exploração de madeiras, a expansão da agricultura e crescimento demográfico conjugado com o arrefecimento climático – conhecido como “Pequena Idade do Gelo” – contribuiram também para o desaparecimento da lagoa da Pederneira (4). Da fervilhante actividade do complexo de portos deste mar interior pouco mais restaria do que fragmentos de mastros e argolas de amarração (5).
Assim, ainda que os factores naturais tenham tido impacto no progressivo assoreamento destas lagoas, até que ponto a acção humana foi determinante para chegarem ao ponto em que hoje se encontram?Mas a acção do homem continua a ter impacto nestas lagoas - e não se trata só da acção das comunidades locais. No actual contexto do aquecimento da temperatura global e do consequente aumento do nível do mar, estará fora de questão a possibilidade da lagoa da Pederneira voltar a ser formada?
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É livre a reprodução para fins não comerciais, desde que o autor e a fonte sejam citados.
Citar como: Quico, Célia (2008) “Lagoa da Pederneira: como desapareceu um dos principais portos Portugueses do período áureo dos Descobrimentos?”. Disponível em <http://nazare-portugal.blogspot.com/2008/06/lagoa-da-pederneira-como-desapareceu-um.html> acedido em (data).
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Notas:
(1) Guardado da Silva, Carlos & Gomes Barbosa, Pedro (2005) “A Lagoa da Pederneira nos períodos romano e medieval”, colóquio “Lagoa da Pederneira: Geologia e História”, Câmara Municipal da Nazaré. Resumo offline.
(2) Blot, M.L. Pinheiro (2002) Os portos na origem dos centros urbanos. Contributo para a arqueologia das cidades marítimas e fluvio-marítimas em Portugal. Lisboa, Instituto Português de Arqueologia, Trabalhos de Arqueologia, 28: 225-231. Disponível online em (consultado a 2006-12-12): http://www.ipa.min-cultura.pt/pubs/TA/folder/28
(3) Dinis, Jorge (2005) “O Vale da Lagoa da Pederneira: Condicionantes Geológicas e Evolução do Diapiro das Caldas da Rainha”, colóquio “Lagoa da Pederneira: Geologia e História”, Câmara Municipal da Nazaré.
(4) Henriques, Maria Virgínia (2005) “Da Lagoa da Pederneira à Planície Aluvial da Nazaré - Evolução histórico-geográfica”, colóquio “Lagoa da Pederneira: Geologia e História”, Câmara Municipal da Nazaré. Resumo offline.
(5) Blot, M.L. Pinheiro (2002) Os portos na origem dos centros urbanos. Contributo para a arqueologia das cidades marítimas e fluvio-marítimas em Portugal. Lisboa, Instituto Português de Arqueologia, Trabalhos de Arqueologia, 28: 225-231.
Fontes/ Bibliografia Científica:
Blot, M.L. Pinheiro (2002: Os portos na origem dos centros urbanos. Contributo para a arqueologia das cidades marítimas e fluvio-marítimas em Portugal. Lisboa, Instituto Português de Arqueologia, Trabalhos de Arqueologia, 28: 225-231. Disponível online em (consultado a 2006-12-12): http://www.ipa.min-cultura.pt/pubs/TA/folder/28
Dinis, Jorge & Costa, Pedro (2003) “Holocenic infill of the Caldas da Rainha tectonic valley. Anthropological impacts and the fast evolution of three coastal lagoons”, Rapid and catastrophic environmental changes in the Holocene and human response, first joint meeting of IGCP 490 and ICSU Environmental catastrophes in Mauritania, the desert and the coast, January 4-18, 2004, Atar, MauritaniaDisponível online em: http://atlas-conferences.com/cgi-bin/abstract/camu-07
Dinis, Jorge; Henriques, Virginia; Freitas, Maria Conceição & Andrade, César (2005) “The holocenic evolution of the Óbidos, Alfeizerão and Pederneira lagoons (western Portugal). Natural and anthropic forcing”, Conferece proceedings Iberian Coastal Holocene Paleoenvironmental Evolution, Lisboa, Portugal, 24-29 July 2005.
Dinis, Jorge (2006) “O Vale da Lagoa da Pederneira: Condicionantes Geológicas e Evolução do Diapiro das Caldas da Rainha”, colóquio “Lagoa da Pederneira: Geologia e História”, Câmara Municipal da Nazaré.
Freitas, Maria da Conceição (2006) “A Lagoa da Pederneira no contexto da evolução Holocénica do Litoral Centro”, colóquio “Lagoa da Pederneira: Geologia e História”, Câmara Municipal da Nazaré.
Guardado da Silva, Carlos & Gomes Barbosa, Pedro “A Lagoa da Pederneira nos períodos romano e medieval”, colóquio “Lagoa da Pederneira: Geologia e História”, Câmara Municipal da Nazaré.
Henriques, Maria Virgínia (2006) “Da Lagoa da Pederneira à Planície Aluvial da Nazaré - Evolução histórico-geográfica”, colóquio “Lagoa da Pederneira: Geologia e História”, Câmara Municipal da Nazaré.
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